Eu tive um professor de história no cursinho, em 1999, que dizia, sobre a violência que chegou à cidade de Londrina depois, principalmente, de 1975, quando a mono-cultura de café foi substituida pela mono-cultura de soja, devido ao inchaço promovido pelo desemprego no campo, que "a primeira geração de miseráveis pede, a segunda geração rouba e a terceira geração mata".
Lendo o livro "O hip-hop e eu - uma biografia", de Ségio Ezequiel de Souza, "Sergin", patrocinado pelo PROMIC-Secretaria de Cultura de Londrina e editado pela Artito Art, a frase do professor acabou sendo recheada com as cenas narradas pelo personagem/autor, nascido em 1980, que viveu essa realidade na carne, na periferia de Londrina, tendo que mudar, constantemente, de um lugar a outro, com a mãe e irmãos, indo morar em lugares cada vez mais desumanos.
Ainda não terminei de ler o livro, mas vão aí algumas frases, tiradas aleatoriamente de dentro dele:
"...na falta de um pai ou de um padrasto e, na ausência de minha mãe, o 'homem' de casa era eu, que tinha apenas 6 anos."
"...chegávamos nas barracas da feira e espiantávamos os caixas dos comerciantes e até as carteiras das pessoas que estavam comprando...
furtávamos tudo o que podíamos levar. Tudo isso era para curtir o Flash Dance aos domingos à tarde."
"comecei a ficar desesperado vendo minha irmazinha mais nova - Andressa - chorando de fome, querendo leite."
"O policial encapuzado deu várias borrachadas nas minhas costas, enquanto dois me seguravam e o sargento Félix fazia uma pressão psicológica com a pistola."
"O pai do Paçoca via tudo aquilo e nem ligava. Tudo alí parecia normal: fumar um baseado na rua, a molecada cheirando cola, as meninas fazendo sexo com uma 'pá de caras' (sexo grupal). E eu e o Marciano alí no meio daquele furacão."
"Ele disse 'Eu vou chegar, abro o carro e você cai pra dentro. Você olha debaixo dos bancos enquanto eu arranco o toca-fita'. (...) O Piá arrancou o toca-fita e eu só achei uma faca."
"Quando o carro era mamão, era eu que cantava a micha (a micha 'canta' qundo faz um barulhinho característico, como um metal raspando em outro, ao abrir a porta)."
"E fomos então para o União da Vitória (morar com a família), o bairro tão falado na mídia pelo alto índice de criminalidade".
"O moleque então armou uma casinha (ou seja, uma emboscada) para que um outro cara, chamado Deílton, me catasse e me desse umas facadas."
"Com uma ano e meio, eu e minha família morando naquele cômodo... perdi todas as esperanças de alcançar algum objetivo na vida."
"Com toda a confusão, não se podia confiar em ninguém. Esta foi a primeira coisa que eu aprendi no união da Vitória. A segunda é que eu tinha que andar armado, ou com os caras que faziam as fitas erradas (as fitas são os roubos e furtos) para ser respeitado. E, terceiro, não se fica devendo droga para ninguém, especialmente aos traficantes. Ainda há uma quarta regra: não se deve envolver com qualquer mina, pois havia muitas mulheres de ladrão; ese envolver com qualquer uma delas era morte na certa. e assim ditavam as regras paraser um malandro esperto!"
"Então arranquei da cinta o que eu tinha achado na mansão.. Os caras cresceram os olhos e começou a discussão para saber quem ia ficar com a arma. Eu propus então que não queria nada dos objetos roubados. Só o 38."
"Nós roubávams todos os boyzinhos que encontrávamos pela frente. Ás vezes não precisava nem scar o revólver. Bastava mostrar o cabo erguendo a camiseta. Eles tremiam na base! E já tiravam o boné, o tênis e até trocavam de roupas com a gente, dependendo do local."
"Então dei a primeira bola e notei imediatamente que minha boca e minha garganta adormeceram. O coração disparou. Minhas mãos ficaqram tremendo. (...) Eu tinha a impressão de escutar tudo muito longe."
"E passei a furtar para manter o vício."
"Com alguns meses andando direto com os caras que fumavam mesclado, em vendi minha arma em troca de uma quantidade de pedra (nóia); e tive meu primeiro contato com a nóia pura, queimado no cachimbo ou em latas de refrigerante."
"Eu já estava tão acostumado a ver corpo caído no chão que, quando via um, era como se fosse um bicho. Aliás, para mim, não fazia a menor diferença entre matar uma pessoa ou um animal. só sentia quando era um colega; ou de fumo, ou de curtição nas noites."
"Só sei que no União, e em qualquer periferia, ninguém morre de graça. O preço varia: de um real até o respeito conquistado na marra."
"E por causa de brigas assim aconteciam outras brigas, geralmente mais violentas. Pois os caras matavam o irmão de um outro que não era florde ser cheirada; e que, por sua vez, matavam aqueles que matavam seu irmão ou seu amigo. (...) Todo final de semana tinha um ou dois - ou até mais! - mortos na região da Zona Sul."
"Eu precisavva de dinheiro para pagar um cara que passava maconha. (...)
O assalto foi numa farmácia. (...)
Na minha cintura tinha um 38 e na do parceiro uma garrucha 38. (...)
Eu ficava o tempo todo pensando "Vai chover polícia!"
"Aí o noiado começou a me contar que o traficante do Santa Joana, que se chamava Baco, estava invocado comigo. Perguntei o motivo. Ele respondeu que a polícia estava atrás de mim na vila, e que estava queimando o ponto de tráfico do Baco no Santa Joana, ..."
"Aconteceu algumas vezes eu trocar meu tênis, minhas bermudas e camiseta por nóia. (...)
Eu mesmo já vi pai de família fumar o dinheiro do leite das crianças e até o enxoval do neném; do bebê dormir em carrinho, em vez de ter um berço. Já vi meninas grávidas trocando roupas de neném por nóia. ..."
Bom, parei aí no terceiro capítulo. depois tem mais.
13 de ago. de 2006
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2 comentários:
Tô sabendo deste livro do Sergin,preciso ler.....um beijo
é num tapa a leitura desse livro.
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