27 de fev. de 2011

QUAL É A SUA PRAIA?


      Talvez você já tenha recebido, via email, aquele pps (power point) sobre o despejo de dejetos na praia de Ipanema e Copacabana – e, por extensão, de todo o litoral nacional – que vem circulando na internet, pelo menos, há uns 3 ou 4 meses. Bem, ele fala dos emissários submarinos que levam todo o esgoto sem tratamento para meio do mar e sobre o fato de estarmos nadando no meio, literalmente, da merda. Recebo esses emails e fico me perguntando como eu, nos limites da minha condição pessoal e cidadão com deveres e direitos, posso fazer para mudar essa situação.
       Venho pensando em uma forma de criar uma pressão para que se faça uma ou mais usinas de tratamento de esgoto em Copacabana e Ipanema, filtrando o composto orgânico, para transformá-lo em adubo, em esterco. E, além disso, na possibilidade de separar o lixo, reciclando-o, devolvendo-o à produção, mas nem coleta seletiva de lixo tem nesses dois bairros. Lá, hein?, onde o metro quadrado é dos mais caros não só do Brasil, mas do mundo. Um local com um monte de restaurante, lanchonete, prédio, carro, gente... e a praia, bem, depois das 6 horas da tarde fica simplesmente nojenta. Esse pps que falei no começo faz a denúncia disso, mas eu não sei, se o Sheik Batista não tiver uma solução onde ele possa ver ali um real ganho de grana, não sei se a gente tem força para pressionar o poder público para que se abra uma campanha pela limpeza de nossas praias.
       Eu venho pensando que o Brasil precisa de se espelhar no que vem acontecendo agora nos países árabes, para derrubar nossas pequenas ditaduras, quero dizer, aquele poder que está cronicamente encastelado em algumas instituições e que precisa ser removido de lá, pelo bem da justiça, pelo bem do ambiente, pelo bem psicológico da nação. Dias atrás, vi duas matérias que me estarreceram. A primeira foi com um casal que quebrou uma agência do INSS, no sul. Eles não suportaram mais esperar para serem atendidos e criaram a confusão. Entrevistando o diretor do INSS local, a TV o mostrou dizendo que há muitos casos iguais ao do casal, mas, se todos fossem agir da maneira como agiram, o que iria acontecer? Para mim é líquido e certo. Tem é que tirar esse cara do comando do INSS. Ele é um incompetente. E ponto. Como é que ele justifica assim as lesões ao direito do contribuinte?
       Outra matéria foi que o juiz do STJ, Marco Aurélio, não levou adiante a punição a um outro juiz de MG que declarou, em uma sentença de briga de casal, que a lei Maria da Penha era "diabólica" e "que o mundo é masculino e assim deve permanecer". A alegação de Marco Aurélio é de que o juiz, hoje em dia, não é considerado alguém mais neutro diante dos debates sociais e que pode, sim, expressar suas opiniões. Meu deus! A expressão da diferença deve ser conservada dentro do estabelecimento de normas que se ajustem ao comum. É só ler Rancière com um mínimo de cuidado. Esse comum não quer dizer que se o sujeito quiser matar o outro em nome do livre arbítrio, isso ele pode fazê-lo. Ainda mais se tratando de um juiz diante de uma lei estabelecida. E a lei Maria da Penha condena a violência contra as mulheres. E, principalmente um juiz que estiver contra isso e dando sentenças que são frontalmente contra essa lei, está, sim, cometendo um crime e deve ser punido. Ora, ele não está em um boteco, em situação privada, falando aos amigos que pensam como ele! O problema não é o juiz ter opinião própria, o problema é não levar em consideração a idéia do comum.
       Normalmente eu sou um cara estourado, mas eu venho comendo sapo e mais sapo de motoristas que ultrapassam o sinal vermelho, de gente que joga o lixo na rua, de pessoas grossas e estúpidas sem a menor educação e consideração pelo outro, vizinhos adestrando cães aos berros na frente de minha janela, do mau atendimento crônico por parte de cobradores, taxístas, policiais, servidores públicos e privados e garçons da cidade que, ou eu viro Zen de vez ou eu vou ficar estúpido como eles. À massa lhes é dada música repetitiva e barulhenta, TV de canal aberto de baixíssimo repertório e um jornal de direita, positivista, progressista e moralista. É essa a paisagem que a gente tem de enfrentar.
       Não é que o casal que quebrou a agência do INSS esteja certo. E eu nem sei quem foi e por que veio à tona a lei Maria da Penha no processo da mulher com seu (ex?) companheiro. Mas eu acredito que é preciso ter sensibilidade o suficiente para garantir o direito do fraco sobre o forte, inclusive, nos moldes colocados pelo novo juiz do STJ, Luiz Fux, durante a sabatina de sua posse, no Senado, que eu assisti pela TV Senado. A instituição deve acolher, e não isolar ainda mais o fraco que se volta contra a força opressora da lei.
       Quanto a mim, só posso agir assim, também, pelo menos enquanto me sinto lúcido e parte de um sistema institucional. Mesmo que a sociedade seja, aos olhos dela mesma, apenas uma massa de manobra de Sheiks e políticos progressistas (no sentido positivista de ordem e progresso) de todos os matizes. Agir contra a paisagem, mas contra, colocando-a de fundo para as minhas figurações, não a negando, porque assim seria anular minha condição institucional. Minha identidade de cidadão, tornando-me "o garçom de costeleta do sistema da babilônia", como já disse o Oswald de Andrade sobre a sociedade de sua época.
       Odeio nadar sabendo que tem merda na praia que eu frequento, mas, por sorte do destino, aprendi a ser menos duro e rígido também, comigo. E para não ser o chato ecológico que fuma escondido, o religioso perverso, o buda alienado, o comunista autoritário e nem o ativista impotente que se deixa capturar por mecanismos de poder, sem se aperceber dessa ocorrência, eu tenho sido, assim, uma espécie de ermitão, de eremita, mantendo ao máximo possível a austeridade. Até porque sempre fui pobre. Até porque sempre quis que a arte se fundisse à minha vida e, de alguma forma amalgamada, esse estado pudesse me completar em todos os sentidos: físicos, materiais e espirituais.
       Acho que é uma questão de educação, acho que é uma questão de política pública, acho que é uma questão pessoal, mas acho, também, que devemos nos organizar coletivamente para questões pontuais, fazer nossas ações se voltarem para a paisagem real, a que se esfrega em nossa carne, em nossos ossos, em nosso olhos. Pelo direito à cidadania e contra os poderes de exceção, porque esses, com a força dos aparatos de poder, apenas cultivam o desenvolvimento das exclusões. Contra naquele sentido descrito acima, porque, assim, não é na sucessão dos acontecimentos que desenvolvemos nossas estratégias - que podem ser, inclusive, a de permanecer inativo - mas na própria simultaneidade entre o que sou eu e o que me representa. Isso, finalmente, não tira a merda da praia, mas evita que eu me confunda com ela.

22 de fev. de 2011

Rodoviária


Na praça de alimentação, só tem vaca no cardápio
Vegetariano passa fome
O caixa eletrônio é do outro lado da estação
No corredor de embarque
um homem estica o pescoço para ver
o horário das partidas
De que lado fica a plataforma 13?
É preciso mostrar as passagens
Um casal se beija diante da catraca
e se separam com lágrimas nos olhos.
Ela foi viajar
E nunca mais voltou.

Antes eu não sabia de nada
E me perdi
Agora eu sei uma coisa
Mas isso, ainda
não me leva a lugar algum.
Outro ônibus vai embora
Melhor esquecer.

Dura é a experiência da memória.