29 de out. de 2007

ah, a fé!


São Paulo - O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) acatou a solicitação da Polícia Civil e determinou a quebra do sigilo bancário do padre Júlio Lancelotti. A decisão do tribunal foi confirmada hoje. A polícia revelou que faria o pedido após a prisão do ex-interno da antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) Anderson Marcos Batista, da mulher dele, Conceição Eletério, e de Evandro dos Santos Guimarães. Os três são suspeitos de extorquir o padre nos três últimos anos. Outro acusado de envolvimento no crime, Everson dos Santos Guimarães, irmão de Evandro, está detido desde setembro.

Em depoimento à polícia, Batista disse que recebeu entre R$ 600 mil e R$ 700 mil do padre, mas denunciou que o padre teria dado o dinheiro espontaneamente porque os dois mantinham um relacionamento sexual. O padre alega ter sido extorquido por Batista. O ex-interno da Febem disse ainda ter ido com o padre a uma agência bancária do Santander/Banespa no Tatuapé, zona leste, para sacar R$ 40 mil, em outubro ou novembro de 2006. Também afirma ter comprado carros e uma televisão com o dinheiro que recebeu.

Elvis Pereira

26 de out. de 2007

ah, a honra!



Dono da GOL agride fotógrafo

22 de out. de 2007

ah, o amor!

Reinaldo Waveqche, 24, ficou viúvo menos de um mês após casar-se com Adelfa Marta Volpes, 82; Adelfa morreu nesta madrugada em Santa Fé após ser hospitalizada com arritmia cardíaca
http://noticias.uol.com.br/ultnot/album/071022_album.jhtm?abrefoto=16

20 de out. de 2007

eroticomia

EROTICOMIA

Erotismo, sensualidade, pornografia, prostituição, tráfegos sexuais, tráficos armados, travestis, transexuais, putaria, o sexo e a morte do funk, a favela, o BOPE, o espaço público do consumo e da guerra.

A sensualidade do porte da droga e da arma produzindo vontade de sexo. A venda, a compra. A carne vendida por atacado, a carne que não vale nada, o sublime injetado no poder do tiro na vida, na coca. O photoshop.

Falar em sensualidade sem falar em violência seria retirar um importante duplo da sensualidade. Ninguém quer almoçar com Sade e Masoch, mas voyerizá-los para se apavorar. E depois voltar para um certo território identificável onde os preconceitos servem de muralha para se pular de vez em quando no pensamento ou no ato esquizofrênico do consumo escondido.

O sujeito-carne, a carne objeto. Seja homem, mulher, criança, velho, boi, eletricidade, o que for.

Pra além da catarse e do choque, afirmamos as formas de mobilização onde consciência e desejo, tesão e atenção, escolha e acaso possam pertencer ao nosso estado de realidade, virtualidade e presença. Os fótons da tela do computador queimam minha retina. Erótico, presencial, ânima, animal.

Mas que não se esqueça do riso rindo-se de si mesmo.

Esses são os conteúdos do evento EROTICOMIA.

O EVENTO:

A criação de um ambiente imersivo de reflexão sobre o sexo e as práticas de sexualidade, sensualidade e erotismo..

O evento conta com a participação de artistas plásticos, visuais, Djs, Vjs e performers que estão sendo desafiados a produzirem trabalhos sobre o tema do erótico . E tem por princípio a criação de ambientações cênicas, obras visuais, como fotografia, filmes, vídeos, projeções, imersões, show erótico, culinária e drinks afrodisíacos, a fim de trazer ao público os sígnos e afetos que esse tema depreende.

ARTISTAS CONVIDADOS:

Ade Evaristo e Monaliza Silper

Alberto Saraiva

Alex Hamburguer

Alexandre Vogler

Dj André Amaral

Bia Veneu

Clayton Leite

Fabiane Borges

Vj Fernando Timba

Jane Eloy e Natalie

Dj Jonas Ohlsson

Leo Videla

Vj Luiza Pimenta

Negrah e suzaninha

Rubens Pileggi

Viviane Rangel

PÚBLICO ALVO

Esperamos cerca de 400 pessoas entre artistas, críticos de arte, intelectuais, produtores, profissionais do sexo, acadêmicos, visinhos do bananeiras, interessados no tema erótico, glbtt, etc.

PROGRAMA: Performances, vídeos, filmes, apresentações, som, instalações, comidas e bebidas afrodisíacas, etc.

RETORNO DE MÍDIA: Envio de folder e texto conceitualizando o evento para revistas, jornais online e impressos, tv e rádio. Mídia dentro do circuito da arte contemporânea.

PARCERIAS:

ESPAÇO BANANEIRAS: Em seus sete anos de existência o Espaço Bananeiras realiza mais um evento coerente com sua opção por ser um espaço alternativo no circuito de arte carioca. Os projetos efetivados nesse espaço, muitas vezes funcionaram como intensos laboratórios para viabilização de trabalhos em espaços institucionais, assim como exposições que priorizam a aproximação entre artistas e público. Esse projeto atual, Eroticomia, é mais um desafio no tocante a arte, vida, ativismo, política; O Espaço Bananeiras inaugura um novo período de pesquisa e experimentação com expectativa de multiplicação e desdobramentos de outros projetos.

DASPU: A participação da ong DAVIDA com a grife DASPU tem muitas funções, como apresentar sua coleção de roupas eróticas, suas performances sexuais, trazer a discussão sobre o papel da prostituição na história da sociedade, e forçar-nos a pensar o erotismo próprio dos domínios da prostituição. Sua presença é de extrema importância para trazer à tona as questões sobre preconceito, sexualidade e vida pública.

GLOBAL: O lançamento do último número da revista GLOBAL tem a função de atiçar a discussão política s obre erotismo, sexualidade e capitalismo, produzindo pensamento em torno das relações entre poder e sexo e ampliando as interpretações sobre signos sexuais, fetiches, mercado e meios de produção. Além de trazer um público intelectualizado, advindo de diversificados seguimentos culturais do Rio de Janeiro

ORGANIZAÇÃO:

Beatriz Veneu ( beaveneu@gmail.com ) (021) 22212402

Leonardo Videla ( leovidela@gmail.com ) (021) 22212402

Fabiane Borges catadores@gmail.com - (021) 94420532

Rubens Pileggi ( pileggisa@gmail.com ) (021) 81718059

Viviane Rangel ( viviane.rangel@gmail.com ) (021) 81555526

18 de out. de 2007

antropofagia às avessas

E olha q eu me acho malandro....

Quando os franceses foram assassinados pelo próprio cara que eles tiraram da rua, eu logo saquei que era uma antropofagia invertida aquilo. Não um canibalismo. Mas uma antropofagia invertida, mesmo. Um ritual macabro em que o filho mata o pai para poder sair com o carro do velho, à noite: valores mal assimilados.

Não se trata mais da questão freudiana: o cara que come os filhos. Ou os filhos que matam o pai, como no mito Zeus e Cronos, fundando uma nova civilização. Está mais para uma situação de comer a galinha os ovos de ouro. Tristeza famélica.

Ontem a primeira notícia que eu li foi que o padre Lancelotti – que abandonou tudo para ficar com os mendigos, os sem tetos, os moradores de rua no centro de são paulo – que é um tipo odiado por Alckmin e policiais que querem bater, quebrar, matar os miseráveis e o padre os defende, bem, que o padre foi à polícia acusar um casal que o extorquia há mais de três anos, fazendo-o pagar pela prestação de uma Pajero (ou outro carrão desses), com a ameaça de que iriam denunciar o padre por pedofilia contra a própria filhinha. Gente que o padre ajudou e agora o estão fodendo.

O padre gravou as conversas de extorsão, entregou o material para a polícia e agora estão atrás dos malandros. Perguntado porque se deixou chantagear, o padre, que mora com a irmã e com a mãe – de favor – disse que queria mudá-los e que não teve coragem de pedir ajuda a quem ele certamente não confia.

É aqui que eu entro...

Tem uma menina de uns 10 anos em Santa Teresa que vende chicletes. Desde o primeiro dia que estou aqui no Rio eu dou – de vez em quando - uma graninha pra ela me trazer balas de hortelã. Sei que ela nunca vai fazer isso, mas a gente foi se tornando amiguinhos e quando ela me vê já vem me abraçando e depois dizendo que falta dois reais para comprar o gás que acabou em casa, essas coisas. Pra dizer a verdade eu já tinha me cansado de ficar dando grana pra ela, mas nunca impedi que ela chegasse para as pessoas que estão comigo e fizesse negócio com eles. Quem quiser ajudar que ajude.

Ontem eu estava no bar e ela chegou dizendo que houve tiroteio onde ela mora e que crianças foram assassinadas. Sei lá porque eu fui explicar para ela como é que funciona a coisa da mercadoria ilegal, como que o tráfico ganha dinheiro vendendo drogas e peguei os chicletes dela em minha mão para demonstrar isso. Depois devolvi-os na caixinha.

Imediatamente ele começou a contá-los e me disse que faltavam dois chicletes. Eu logo me chateei. Disse a ela que poderia me revistar, mas se não achasse os chicletes não éramos mais amigos.

- “Mostra os bolsos”, ela pediu. Mostrei todos os meus bolsos e sai de dentro do bar para ir embora dali. Estava chateado com a situação: como é que ela podia duvidar que eu iria roubar dela algo? Dois chicletes? Eu nem chicletes chupo!

Ela correu pegar o irmãozinho maior dela e ele disse para mim que a menina estava chorando. Que tinha sumido dois chicletes dela. Eu disse que não tinha nada com isso, que eu não precisava roubar chicletes e sai dali, já puto com a situação.

Mas nos encontramos no meio do caminho, entre um bar e outro, na direção de casa e eu fiquei pensando que era melhor pagar pelo crime que eu não cometi e calar a boca da vigaristinha e seus irmãozinhos e me livrar logo da tal história, do que dar o que falar.

Comecei a contar algumas moedas no bolso e resolvi dar dois reais pelos dois chicletes que ela vende a 50 centavos na rua. Claro, antes, perguntei quanto eram os chicletes. 2 reais cada um, ela disse...

Eu não paguei, xinguei, dei esporro, fiquei irado, mas ainda contemporizei a situação dizendo que eles eram apenas crianças, que eles não tinham culpa de ser do jeito que são.

Eles são em quatro irmãos e a mãe espera mais um. Ficam de madrugada vendendo aquela porcaria na rua. A mãe de um lado. E, às vezes, o pai de outro. E às vezes tem até mais pais na parada. Porque mãe é uma, mas tem pai para cada um dos filhos da escadinha. Esperando pelo dinheiro explorado das crianças.

Também são vítimas, mas eu fiquei com medo até de, numa dessas, entrar numas de gaiato e ser acusado de pedofilia. Uma coisa que a gente entra de ingênuo, achando que pode ajudar e acaba se fodendo... Antropofagia às avessas...

corpo erótico


O corpo erótico contemporâneo

Rubens Pileggi Sá

O termo erótico, ou, as manifestações do desejo do corpo, ou descoberta do prazer através das percepções sensoriais, que um dia teve enorme potência transformadora de costumes, nada mais celebra, agora, do que a consagração vitoriosa da mídia e do comércio de corpos prontos para o abate, como se tratasse de um corredor de matadouro, onde somos obrigados a ter prazer.

Esse “erotismo” se manifesta, por um lado, na venda de corpos prontos para o sexo. E passa por crianças dançando “na boquinha da garrafa” em programas infantilóides, dando uma sensualidade e potência ao corpo quando ele ainda não está pronto para isso. Passa, também, pela insistência de associar mulher “sarada” com cerveja gelada e, em outdoor, nas ruas, escancarando a miséria do fetiche: por exemplo, quando uma revista masculina anuncia uma mulher de “18, mas com corpinho de 15”.

Os homens não podem reclamar. Cada vez mais se tornam corpos-objetos. Cada vez mais são vendidos como produto para consumo, ainda que isso não signifique a mínima mudança nos padrões machistas e patriarcais de nossa sociedade. Capitaliza-se em cima dos gays, capitaliza-se em cima das minorias, enfim, o importante é criar nichos de mercado para se fazer negócios. O corpo erótico se tornou um negócio.

Estamos tão inseridos nas formas de exercício de poder, quanto no nosso próprio corpo enquanto lugar de luta, que precisa ser reinventado o tempo todo para existir além da ostentação da eterna jovialidade viril congelada na foto da parede.

Se há uma potencialidade que possa colocar em movimento o desenvolvimento de uma política do corpo, ainda hoje, essa política deve mirar, em primeiro lugar, a idéia de um corpo coletivo, de um lugar de trocas, de confianças mútuas, de compartilhamentos identitários, de criação participativa.

Mas para o corpo erótico, para a saciedade do prazer, não interessa a solidariedade, o coletivo, o outro, porque “as possibilidades de felicidades são egoístas”, como já definiu Cazuza, tempos atrás. E mais, violência e agressividade não são descartadas desse corpo-fissura, onde Eros e Tanathos se olham com desejo.

De todo modo, tal força vem da consciência de se saber que a idéia de corpo e, sobretudo, transformadora, portanto, subversiva. E, neste ponto, voltamos à questão das lutas sociais, culturais e econômicas. Subversão é a palavra chave diante da transformação do corpo em produto comercial, em carne para o abate. Não é nenhuma recusa, exatamente, à venda do corpo. Precisamos pagar nossas despesas diárias e dependemos de uma rede de produtos e serviços que, inclusive, possibilitam tal subversão. A questão é, então, como usar dessa força de subversão?

No caso do erotismo e do intrincado jogo onde o corpo é máquina criada que cria, a subversão está em, ao mesmo tempo, colocar e retirar da condição desejante o foco único que o capital tenta impor à sua manifestação. Ou seja, erótico pelo erótico, apenas. A autonomia do erótico. A compartimentalização das pulsões desejantes. Retirando delas sua potencialidade transbordante.

A matéria nos ensina a aceitar tal imposição, as de sujeito-carne, além e aquém da situação carne-objeto, seja homem, mulher, criança, velho, boi, eletricidade, o que for. Mas nem por isso precisamos nos colocar como representantes de papéis sociais definidos previamente segundo um padrão dominante de gosto. Podemos afirmar estados de diferenciações que levem, além da catarse e do choque, a formas de mobilização onde consciência e desejo, tesão e atenção, escolha e acaso possam pertencer ao nosso estado de realidade e presença. Sem esquecer da virtualidade, que é, também, parte da realidade. Os fótons da tela do computador, onde escrevo isso, queimam na minha retina. Erótico, presencial, ânima, animal.

A única maneira de enfrentar a concretude do indisível é deslocar para a criatividade nosso exercício do sensível. Nossa mais profunda forma de expressão. Nossa mais potente arma subversiva. Porque as trocas, aqui, não são feitas levando em consideração a mais-valia, mas sim em como mantermos as relações de troca, mais e mais. O gozo é o gozo. É a possibilidade de rir de si diante do espetáculo da banalização do erótico. Mas ele só pode ser gozado se for levado à sério: com a alegria de ser e estar no espaço-tempo do aqui-agora. Exige esse tipo de concentração. Mas é uma tática infalível. Infalível? Hahahaha... Infalível é a potência de um corpo aberto enquanto ele permanece intacto... ou enquanto fetiche, como quer a publicidade.

quanto mais real...

16 de out. de 2007

nós somos a crise do trabalho abstrato

NÓS SOMOS A CRISE DO TRABALHO ABSTRATO
John Holloway

(Transcrição de palestra proferida em Roma, abril de 2006)

"Vozes de resistência: vozes alternativas". Quais são as nossas vozes? Nossas vozes são as vozes da crise do trabalho abstrato. Nós somos a crise do trabalho abstrato. Nós somos o poder do fazer criativo.

Nós somos a crise. Não somos em primeiro lugar uma força positiva, mas negativa. O que nos traz aqui hoje não é algo positivo que temos em comum, mas o Não que todos compartilhamos. Não ao capitalismo, não a um mundo de violência e exploração, não a uma forma de organização social que está literalmente destruindo a humanidade, em todos os sentidos da palavra. Não a um mundo no qual o que fazemos é determinado por forças que não controlamos. ¡Ya basta! Mas este ¡ya basta!, esta recusa, não fica fora do capital, ela vai direto ao coração do capital, simplesmente porque o capital depende de nossos olhos, de nossa aceitação, de nossa concordância em trabalhar e criar valor, de nossa reprodução da obscenidade que nos rodeia. Nosso NÃO é um não com força, simplesmente porque a existência do capital depende do nosso dizer sim. Nosso NÃO é a crise endêmica do capital.

Nós somos NÃO, nós somos negatividade, nós somos a crise do capital. Mas somos mais do que isso. Nós somos a crise daquilo que produz o capital, a crise do trabalho abstrato, alienado. O trabalho abstrato produz o capital. De fato, o capital é a abstração do trabalho, o processo pelo qual a imensa riqueza da criatividade humana é controlada, contida, subordinada a serviço da expansão do valor. A abstração do trabalho reduz a cor intensa do fazer criativo à cinzenta produção de valor, ao vazio da geração de dinheiro. No capitalismo, o fazer criativo (que Marx chamou de trabalho concreto ou útil) é sujeitado ao trabalho abstrato, existe na forma de trabalho, mas esta forma esconde uma constante tensão, um constante antagonismo entre conteúdo e forma, entre o fazer criativo e o trabalho abstrato: ele existe em constante rebelião contra o trabalho abstrato, como a crise latente do trabalho abstrato.

Aqui, então, está o núcleo da luta de classes: é a luta entre o fazer criativo e o trabalho abstrato. No passado era comum pensar na luta de classes como a luta entre capital e trabalho, entendendo trabalho como trabalho assalariado, trabalho abstrato, e a classe trabalhadora foi frequentemente definida como a classe dos trabalhadores assalariados. Mas isto é totalmente equivocado. O trabalho assalariado e o capital complementam um ao outro, o trabalho assalariado é um momento do capital. Há de fato um conflito entre o trabalho assalariado e o capital, mas este é um conflito relativamente superficial. Trata-se de um conflito em torno de salários, duração da jornada de trabalho, condições de trabalho: tudo isso é importante, mas pressupõe a existência do capital. A verdadeira ameaça ao capital não vem do trabalho abstrato, mas do trabalho útil ou fazer criativo, pois é o fazer criativo que se coloca em oposição radical ao capital, isto é, à sua própria abstração. É o fazer criativo que diz "não, não faremos o que o capital ordena, faremos o que consideramos necessário ou desejável".

Nós somos a crise do trabalho abstrato, nós somos a crise do movimento operário, do movimento construído sobre a luta do trabalho abstrato. Desde os primeiros tempos do capitalismo, o trabalho abstrato organizou a sua luta contra o capital, sua luta por melhores condições para o trabalho assalariado. No núcleo deste movimento está o movimento sindical, com sua luta por maiores salários e melhores condições. Na literatura clássica do marxismo ortodoxo, isto é visto como a luta econômica, que deve ser complementada pela luta política. A luta política é organizada em partidos, que têm a conquista do poder estatal como seu foco - seja através de meios parlamentares ou através da luta armada. O partido revolucionário clássico objetiva, é claro, ir além da perspectiva dos sindicatos e liderar uma revolução que abolirá o trabalho abstrato, assalariado, mas na realidade ele está (ou estava) preso no mundo do trabalho abstrato. O mundo do trabalho abstrato é um mundo de fetichismo, um mundo no qual as relações sociais existem como coisas. É um mundo habitado por dinheiro, capital, Estado, partidos, instituições, um mundo cheio de falsas estabilidades, um mundo de identidades. É um mundo de separação, no qual o político é separado do econômico, o público do privado, o futuro do presente, o sujeito do objeto, um mundo no qual o sujeito revolucionário é um eles (a classe trabalhadora, os camponeses), não um nós. O fetichismo é o mundo do movimento construído sobre a luta do trabalho assalariado, trabalho abstrato, e desse fetichismo não há saída: é um mundo que é opressivo e frustrante, e terrivelmente, terrivelmente chato. É também um mundo no qual a luta de classes é simétrica. A complementaridade do trabalho abstrato e do capital é refletida numa simetria básica entre a luta do trabalho abstrato e a luta do capital. Ambos transitam nas imediações do Estado e da luta pelo poder-sobre outros; ambos são hierárquicos; ambos buscam legitimidade agindo em nome de outros.

Nós somos a crise do trabalho abstrato e do movimento operário. Isto sempre foi verdade, mas o que é novo é que não somos mais a crise latente, mas a sua manifestação aberta e manifesta. O trabalho abstrato sempre foi a chave da dominação capitalista, ou seja, a conversão do fazer criativo em trabalho abstrato, e, com ela, a transformação dos criadores humanos em trabalhadores assalariados. O emprego, em outras palavras, sempre foi o núcleo do controle capitalista. As chamadas economias de pleno emprego do período pós-guerra foram talvez o ponto culminante do comando do trabalho abstrato e suas instituições - do qual o clássico movimento operário era parte central. Esta forma de dominação tem estado em crise aberta pelos últimos trinta anos, e nós somos esta crise, nosso NÃO, nossa recusa a aceitar a conversão de nossa criatividade em trabalho abstrato sem sentido, a conversão de nós mesmos em máquinas.

Mas e o neoliberalismo, e a guerra, e o império, e o biopoder, e as novas formas de controle social? Eles não superaram a crise e criaram uma nova base para o capitalismo? Não, não acho, e devemos ter muito cuidado em nossas teorizações para não transformar a crise em um novo paradigma, uma nova era de dominação, um novo império, simplesmente porque as positividades do pensamento paradigmático encarceram a nossa negatividade, fecham nossas perspectivas. É tarefa do capital criar um novo paradigma, não nossa. Nossa tarefa, tanto teórica quanto prática, é criar instabilidade, não estabilidade. O marxismo é uma teoria da crise, não das formas de dominação: não da força da dominação, mas de sua fragilidade. E há muitas, muitas indicações da fragilidade fundamental do capital neste momento: tanto sua crescente violência quanto sua contínua dependência da constante expansão de dívidas. Certamente há uma constante expansão e intensificação do trabalho abstrato: nós nas universidades, por exemplo, estamos muito conscientes da maneira pela qual o nosso trabalho está sendo sujeitado cada vez mais diretamente às demandas do mercado. Mas ao mesmo tempo há uma deficiência crescente do trabalho abstrato para conter o impulso do fazer criativo dentro dos limites da produção de valor, dentro dos limites do mercado.

Esta é a crise do trabalho abstrato: a inabilidade do trabalho abstrato para conter a força do fazer criativo. O emprego sempre foi, e continua a ser (apesar da extensão da disciplina para a totalidade da "fábrica social") a principal força disciplinadora do capitalismo, a principal forma de conter e reduzir nossa humanidade, nossa recusa-e-criação. A crise do emprego em todas as partes tanto intensifica a disciplina (na medida em que as pessoas competem por empregos) quanto a enfraquece, na medida em que ela falha no preenchimento da vida das pessoas: a precariedade do emprego é também a precariedade da abstração do trabalho. Cada vez mais as lutas de protesto contra o capitalismo vão além dos limites do movimento baseado no trabalho abstrato. Isto não significa que o velho movimento operário deixe de existir, ou que deixe de ser importante para o melhoramento das condições de vida, mas cada vez mais as lutas contra o capitalismo transbordam as estruturas e concepções deste movimento. Seja ou não seja usada explicitamente a categoria da classe, isto não é um abandono da luta de classes, mas uma intensificação da luta de classes, um nível diferente de luta. Esta é uma luta que quebra a simetria que caracterizou a luta do trabalho abstrato, uma luta que é fundamentalmente assimétrica em relação à luta do capital, e se rejubila com essa assimetria: fazer coisas de forma diferente, criar relações sociais diferentes, é um princípio norteador.

Nesta nova reconfiguração da luta de classes, nós somos o sujeito revolucionário. Nós? Quem somos nós? Nós somos o questionamento, um experimento, um grito, um desafio. Não precisamos de definição, rejeitamos toda definição, porque nós somos o poder anti-identitário do fazer criativo e recusamos toda definição. Nos chame de multidão se quiser, ou, melhor, nos chame de classe trabalhadora, mas qualquer tentativa de definição só faz sentido na medida em que nós quebramos a definição. Nós somos heterogêneos, dissonantes, somos a afirmação de nós mesmos, a recusa da determinação alheia de nossas vidas. Somos, portanto, a crítica da representação, a crítica da verticalidade e de toda forma de organização que toma responsabilidade por outras vidas separadas de nós. Escutem as vozes dos zapatistas, dos piqueteros da Argentina, dos índios na Bolívia, das pessoas nos centros sociais na Itália: o sujeito que eles usam todo o tempo para falar de sua luta é "nós", e esta é uma categoria que carrega força real.

Nós somos femininos, nós mulheres e nós homens, porque a crise do trabalho abstrato é a crise da atividade e forma de luta dominada pelo masculino, e porque a nova luta de classes não tem a mesma composição de gênero da antiga.

Nós somos o rompimento do tempo, o disparo contra os relógios. O movimento do trabalho abstrato projeta a revolução no futuro, mas a nossa revolução só pode ser aqui e agora, porque nós estamos vivos aqui e agora, e no futuro estaremos mortos (ou imortais). Nós somos a intensidade do momento, a busca (a busca de Fausto, a busca de Bloch) pelo momento da realização absoluta. Somos a poesia da classe trabalhadora, a classe trabalhadora como poesia.

Nossa revolução, então, não pode ser entendida como a construção para um grande evento no futuro, mas somente como a criação aqui e agora de trincas ou fissuras ou rupturas na textura da dominação, espaços ou momentos nos quais dizemos claramente "não, não aceitaremos que o capital molde nossas vidas, faremos o que consideramos necessário e desejável". Olhe ao redor, e podemos ver que estes espaços e momentos de recusa-e-criação existem em todos os lados, da Selva Lacandona à recusa-e-criação momentânea de um evento como este. A revolução, a nossa revolução, só pode ser entendida como a expansão e multiplicação destas fissuras, estes lampejos de recusa-e-criação, estas erupções vulcânicas do fazer contra o trabalho.

Perguntado caminhamos. Preguntando caminamos.


Traduzido por Daniel Cunha
Título original: John Holloway: We are the Crises of Abstract Labour
Versão original: http://www.defenestrator.org/?q=node/959

11 de out. de 2007

arte pra quê? arte pra quem?




NOTÍCIA:

Marca registrada do Brasil, a concentração de renda e riqueza é um problema que se agrava cada vez mais e que se alimenta da fragilidade da democracia brasileira. É sobre este assunto que trata o texto de capa da edição de outubro do Le Monde Diplomatique Brasil, que já está nas bancas. O estudo de Márcio Pochmann, mostra que apenas 5 mil famílias controlam 45% de toda a riqueza produzida no país.

COMENTÁRIO:
Chutando uma média de 18 pessoas por família e, vamos dizer, que o Brasil tenha 180 milhões de habitantes, isso dá, mais ou menos, 0,05% da população com 45 por cento do país nas mãos. Os outros 55 por cento seriam distribuídos entre 99,95 por cento do resto da população.