5 de abr. de 2008

Marginal, herói, seja, esteja e ou...


BÓLIDE CAIXA 18, poema caixa 2 – Homenagem a Cara de Cavalo e a bandeira Seja marginal, seja Herói, de Hélio Oiticica


Depois de tanto debater a questão, ficamos sabendo que, na origem, o termo herói se prestava a homenagear os mortos, mas que passou a designar os atletas, ainda que a homenagem tivesse um caráter efêmero (via rirobas@visualnet.com).

E o marginal, quando é que se começou a cultuar o marginal? Será que foi na década de 60? Será que foram os trovadores medievais os primeiros a curtirem a boa brisa do slogan “caia no mundo e perigas ver”, ou foram aqueles monges que viviam apartados da sociedade e que acabaram se tornando da “ordem dos templários”, que acabou virando o que hoje é a maçonaria? Precisaria fazer uma pesquisa, mas ficam aí as dúvidas para serem resolvidas em algum outro momento, ou por quem puder responder.

De todo modo, os papéis me parecem que, instantaneamente, podem ser trocados entre o “marginal” e o “herói”, em algum ou vários momentos. O herói passa a ser marginal e o marginal, herói. Ah, sim, as definições que eu atribuo a um e a outro: acho que o herói é aquele a quem se reconhece um valor cujas preocupações perpassam a idéia de coletividade – por exemplo, o herói que salva o gatinho – e o marginal segue sua vida, por conta e risco, sem se preocupar em agregar um valor “social” a seus atos.

Bem, teria que falar aqui do marginal e do herói positivo e ativo, positivo e passivo, negativo e ativo, negativo e passivo, mas aí entraríamos em uma discussão sobre niilismo e nuances mil que não cabem neste texto.

Terminei de ler um livro chamado “A terra sem mal”, de Helene Clastres, sobre o mito Tupi-guarani de um lugar paradisíaco que os índios procuravam, bem antes da chegada do homem branco, mas que poderia ser encontrado durante a própria vida. Um lugar “onde as flechas sozinhas caçam os animais, onde o inimigo tem a carne saborosa e todas as mulheres são para todos os homens”.

Quem conduzia os índios para essa Terra sem Mal eram os Caraís. Os Caraís eram os únicos por quem os xamãs temiam e respeitavam. E que eram odiados pelos caciques. Viviam na solidão das matas e de vez em quando chegavam na aldeia para convencer as pessoas a irem com ele, errantes, pela floresta adentro. Eram os únicos que podiam entrar em tribos inimigas uma das outras sem serem devorados. Eram vegetarianos. Relata-se que um Caraí chegava ter 40(!) esposas. Não aceitavam presentes. Diziam-se deuses. Que não tinham pai. Espalharam-se pelo Brasil. Relata-se que houve expedições com mais de 14 mil pessoas que, para se tornarem leves e voar, dançavam dia e noite, à exaustão, ou mesmo até a morte. O que, para eles, era parte do rito.

Tamanha coincidência acabou facilitando a vida dos padres e a catequização das almas dos índios, que não precisavam mais o sacrifício de se perderem pelas florestas para encontrar Deus, que lhes daria um lugar no céu depois da morte. Padres que passaram a ser chamados de Caraí, também, pelos índios, devido à atividade espiritual que exerciam. O Caraí passou a ser chamado de Caraíba e depois todo branco se transformou em caraíba, tamanha a corrupção que a palavra obteve. Penso que a figura do Caraí encarna esses outros dois personagens, ao mesmo tempo: o do herói e o do marginal.

Gostaria de colocar a questão sobreposta entre o marginal e o herói com essa figura do Caraí e pensar que são figuras messiânicas, portadoras de alguma “mensagem” – mesmo quando negam – ao corpo social. Figuras que, por não temerem a morte, são transformadas em mito. E que, por conta dessa total descrença em que imergimos nas últimas décadas, absolutizamos demais, talvez, a nossa resistência.

Gostaria de pensá-las como figuras arquétipicas, como o Rei, na carta de tarot. Figuras que merecem nossa atenção, não porque encarnadas de sentido no corpo da realidade física, mas em nosso próprio inconsciente, lá onde os signos fazem sentido.

Assumir-se marginal e herói, ou marginal ou herói, ou artista ou Caraí, em si, não quer dizer nada, mas pensar a evolução dessas figuras enquanto propulsoras de situações em que podemos nos colocar, me parece ser a poesia em estado de latência. E que vem lá de onde pulsa nossos dizeres.

Não sei se é isso, mas gosto de pensar que esse assunto me coloca questões que borbulham dentro de mim e que pedem passagem, seja em texto, seja em fala, seja em corpo, seja em alma.

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