21 de set. de 2006

entrevista do augusto de campos

Entrevista do AUGUSTO DE CAMPOS para o MARCOS AUGUSTO GONÇALVES, da F.S.P.

O q me incomoda nessa entrevista, da qual eu separei uma parte, é essa visão darwiniana de evolução da arte, principalmente essa idéia de q a tecnologia trouxe inovação da experiência estética e q ela pode ser uma espécie de redendora da humanidade. Isso por um lado.
Por outro lado, é esse discurso politicamente correto contra a exploração humana, q a humanidade precisa evoluir, etc. Como se as duas coisas fossem separadas.
Ora, o controle da tecnologia não está nas mãos dos pobres, em primeiro lugar. Depois q, toda a mudança, de fato, de apreciação e produção da arte aconteceu antes do advento do computador e dos aparelhos eletrônicos. O próprio silêncio preconizado pelo Cage, na música, inclusive.

O problema é q eu sou paranóico e sempre acho q o Bill Gates está por trás disso tudo, dando risadas por esse novo deus adorado chamado computador, q vai nos trazer - a todos sem exceção - a justiça e a felicidade via internet... Vai faltar silício no mercado...

O q vcs acham?




FOLHA - Pode-se dizer hoje que a previsão de que novos meios tecnológicos transformariam a poesia e a arte se concretizou em escala considerável. Música eletrônica, videoarte, trabalhos feitos em computador, uso da palavra em plataformas outras que não o papel, tudo isso se tornou quase "natural" para as novas gerações. Como você assiste a essas transformações? 
CAMPOS - Agrada-me pensar que a poesia concreta antecipou essas expansões interdisciplinares das artes. Como viu bem McLuhan, hoje tão injustamente desprestigiado, "the medium is the mass-age". Os novos artefatos agilizados para o consumo são portadores de informações transformadoras -ver a revolução do "sampler" nos processos de montagem sonora- e podem contribuir para alargar o horizonte da sensibilidade e subverter as regras do jogo. Cabe aos artistas arrancar, prometeicamente, o "fogo" da tecnologia de ponta dos veículos-gigantes da comunicação de massa, e desviá-lo para projetos menos imediatistas e mercadológicos, como pregava Timothy Leary em "Caos e Cibernética". 
Cada vez mais acessível ao nível doméstico, a tecnologia dá uma grande ajuda aos projetos pessoais e independentes e alimenta uma comunicação sem precedentes entre "guetos" poéticos.
FOLHA - Qual é o lugar da poesia no mundo atual? Ela continuará a ser praticada de diversas maneiras, das tradicionais às experimentais? Migrará para outras manifestações? Ou tudo isso ao mesmo tempo? 
CAMPOS - Acho que sempre haverá "um pequeno segmento da raça" (expressão de Pound) para responder ao desígnio mallarmaico de "dar um sentido mais puro às palavras da tribo". Mas a massificação cultural é um fato iniludível da "overpopulation", do baixo nível de escolaridade, da exaustão mental provocada pelos trabalhos forçados do ganha-pão acachapante. A poesia, se não resolve, consola o ser humano da sua miserabilidade, da sua incognoscência, das precariedades do seu "design" imperfeito. Dá-lhe, quem sabe, a ilusão de estar um pouco acima. E o seu desvalor econômico, o seu fracasso antipopulista, num mundo obcecado pelo lucro e pelo sucesso, lhe conferem uma força ética ímpar. Os livros estão de pé na estante. Muito pouco na TV, é verdade, mas cada vez mais nos desvãos e desvios da internet, que embute uma verdadeira revolução cultural nas suas reservas "interguêticas" e nos seus reservatórios enciclopédicos. Quem quiser buscar mais e melhor, que vá atrás.
FOLHA - O Brasil e o mundo em que vivemos é uma decepção para quem sonhou com um futuro de transformações? Há aspectos positivos a ressaltar na cena contemporânea? 
CAMPOS - Assistimos no século 20, depois de duas guerras deploráveis, ideologias transtornadas pelo totalitarismo e superbombas ameaçadoras, à queda das utopias, e começamos o 21 sob o signo de fanatismos, barbaridades bélicas, bombas-suicidas, egoísmo globalizado e desigualdade social.
A tecnologia chegou a ser uma esperança para otimistas-natos como Buckminster Fuller e John Cage, cujo anarquismo tecno-zen rimava com o bárbaro tecnizado de Oswald. Estamos longe de chegar perto desses formosos ideais. Mas olhamos para os olhos de uma criança e temos de acreditar que um dia (que não verão os septuagenários como eu) a "humanimaldade" será mais sensível e menos insensata.
Quem sabe se a tecnologia, multiplicando o acesso à informação e aos recursos materiais, não pode dar uma boa mão a um maior solidarismo social, se os gigaglutões econômicos do Primeiro Mundo não continuarem a querer tudo só para eles.
Mesmo porque, se não tomarem juízo, o bumerangue da pobreza ainda poderá recair sobre as suas cabeças.



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