13 de ago. de 2006

INDIOS: UM PENSAMENTO SELVAGEM.

INDIOS: UM PENSAMENTO SELVAGEM.

Infelizmente não tenho como dar agora a referência de onde eu aprendi isso que vou lhes contar. Falta de método acadêmico para anotar os referenciais ocasiona de perda de memória. Muitas coisas acontecem assim comigo. São logo incorporadas, passam a ser minhas. Algumas realmente são. Mas o que eu vou escrever agora trata de um fato de interpretação histórica. E eu só posso conjecturar que se trata da verdade, pois em nenhum momento nega – ao contrário, reforça – aquilo que sou em relação ao mundo que vivo, contribuindo com aquilo que faço.

De qualquer forma, a idéia de um “pensamento selvagem” está ligada às questões antropológicas do francês Claude Lévi-Strauss (1983/1975) e quem tiver interesse de pesquisar é só procurar na internet que vai achar um monte de links ligados ao tema. Um deles é o http://hemi.nyu.edu/archive/studentwork/conquest/pens1.html

Peço a quem souber quem “botou o ovo em pé”, originalmente, falando sobre isso, que me passe as referências, para que possamos ampliar esse debate. Aliás, até porque ele saiu de uma discussão com um marxista e eu não queria ficar mal com o marxismo só porque eu não penso que tudo está atrelado à lógica da produção, do sistema de classes e da mais-valia e do capital. Aliás, porque a nossa lógica cartesiana não dá conta desse tipo de pensamento que aqui eu chamo de “selvagem”. Sem desmerecer Marx, por favor!
Vamos lá:

A Antropofagia – ou seja, o ato ritual de comer carne humana praticado por algumas tribos indígenas que habitavam esse solo antes de se chamar Terra do Pau-brasil – como pensamento que marca a identidade cultural nacional e em torno da qual se reuniram os artistas e intelectuais à época da fundação do modernismo brasileiro (não para comer carne humana, mas para “deglutir” as experiências de outras culturas), é o começo dessa idéia. Mas ela se amplifica, na medida em que a finalidade da “antropofagia” não era vencer o inimigo, matando-o, mas de usá-lo como “banco de esperma” que garantisse a continuidade da espécie, ampliando as combinações genéticas da tribo.
Como todos sabem, um dos tabus encontrados em quase todas as nações e etnias, as mais distintas, no mundo todo, é o da procriação entre parentes de laços familiares muito íntimos, como pai com filha, filho com mãe, etc. Laços consangüíneos enfraquecem a espécie. E na natureza vencem os mais adaptados.

Os índios brasileiros não tinham, aparentemente, porque lutar entre si. Não precisavam disputar territórios, não precisavam disputar alimentos. Viviam da caça e da coleta. E eram nômades. Hoje, aqui, tem mandioca. Amanhã, lá, vai ter outro alimento que se pode tirar do pé. E quando voltavam aos lugares, tinham, de novo, a mandioca, ou o pinhão, ou o que fosse. Eram observadores. Sabiam o ciclo da natureza. Não precisavam se matar como agricultores. Acumular. Tinham o livro da natureza nos sentidos. Viviam em relação orgânica com a natureza. A idéia de trabalho, para eles, não fazia o menor sentido. Tanto que os portugueses tiveram de trazer os negros para cá, porque os índios só conheciam o tempo mágico dos mitos e não a realidade servil e classista, dos direitos trabalhistas, da resistência ao poderio europeu, etc.
Para o índio não havia diferença entre arte e vida. Tudo era parte de um mesmo processo ritual. Pintar o corpo, dançar, caçar, pescar, comer, cantar, tudo isso era indistinto, não havia categorias dessa espécie que nos acostumamos a conviver.
E por que lutavam entre si, então? Para ver quem era o mais forte. Para que o mais valente de uma tribo capturasse um valente de outra tribo, vivo, e o trouxesse à sua tribo, deixando-o livre para ir embora, se quisesse. Mas isso seria uma desonra para o índio capturado. E na outra vida iam cobrar isso dele. Foi por isso que o aventureiro mercenário alemão Hans Staden (c. 1525-1579 ou 1510-1557) conseguiu fugir dos Tupinambás e escrever seu relato: ele cagou nas calças! E um índio jamais iria comer um covarde!
Uma vez na tribo inimiga, tratavam o índio capturado da forma mais gentil possível. Davam-lhe a melhor comida, o melhor espaço na maloca e as mulheres aptas à procriação. Para que tomasse gosto pela vida. E tivesse vontade de escapar.
Quando, enfim, chegava o dia de sua morte, o índio que o havia capturado amarrava em uma de suas mãos a mão do inimigo. E dava a outra mão para seu melhor amigo, que a amarrava à sua mão, ficando, assim, o índio capturado preso pelas duas mãos dos oponentes. Na mão que sobrava de cada índio, portava-se bordunas para arrebentar o índio preso. Segundo Montaigne (1533-1592), em seu célebre ensaio “Dos canibais” – onde defende os índios, dizendo que os horrores cometidos pelos europeus eram muito piores do que a acusação que lhes pesava, como a de andarem nus, não trabalharem e a de comerem carne humana – havia uma espécie de canto/diálogo entre os oponentes relatado no texto. Retomado mais tarde pelo escritor Goethe (1749-1532), que era mais ou menos assim:
- Gostou da nossa comida?
- Muito ruim.
- Gostou das nossas mulheres?
- Muito Feias.
E então batiam nele com a borduna até o derrubarem. Antes, porém, de o matarem, ele dizia (aqui, sim, Goethe via Montaigne):
- Comam, comam da minha carne. Nela vocês sentirão o gosto da carne do pai de vocês. Comam, comam minha carne, para que o meu filho sinta na carne de vocês o gosto da minha carne.

Nem vou entrar aqui na questão da hóstia sagrada e tudo o mais. Nem vou continuar a falar sobre o significado da palavra Tupã, para os índios, que tem a ver com a reverberação que o som do trovão faz no corpo de cada pessoa, como se esta fosse um instrumento que se afinasse, como uma flauta. Mas gostaria de deixar o meu pensamento no corpo desse texto para que fosse devorado, refletido e devolvido à vida, de forma antropofágica. Como filho amado de um inimigo.

2 comentários:

Anônimo disse...

ai, como é fértil a antropofagia, acho que devpiamos todos comer "carne humana" pra ficar mais criativos, ainda que esta carne seja texto, ainda que esta carne seja espírito.

e fica uma dica pra vc:no site do Ministério do Trabalho tem regulamentação pra profissão de prostitura, acho legal como subsídio pra nossa pauta. o site é www.mtecbo.gov.br
segundo me disseram, não entrei ainda pra testar. 1 Beijo.

Rubens Pileggi Sá disse...

"só a antropofagia nos une", já dizia o grande cacique tupinambá, Mister O. de A.