23 de set. de 2010

URUBUS NA BIENAL

Diante de protestos de pessoas que não irão à Bienal deste ano por conta da prisão de três urubus, no trabalho de Nuno Ramos, segue um pequeno debate em trono do assunto, com um texto onde reflito sobre o uso de animais em instalações de arte.

_________________________________________________
----- Mensagem encaminhada ----
De: INR - Projetos <projetos@institutoninarosa.org.br>
Para: Grupo INR <institutoninarosa@yahoogrupos.com.br>
Enviadas: Quarta-feira, 22 de Setembro de 2010 16:00:03
Assunto: [INR] Boicotem a Bienal






Amigos da causa animal
 
Não prestigiem a edição 2010 da Bienal SP em repúdio à exploração de animais nas instalações da mesma.
 
Se você também discorda, envie a mensagem abaixo para os organizadores, nos endereços:
 

_______________________________________________

19/09/2010 - 08h00

Urubus na Bienal: bom e mau agouro na obra-prima de Niemeyer

BERNARDO CARVALHO
DE SÃO PAULO



Nuno Ramos é um artista de exceção, em torno do qual vem se construindo um consenso nacional. É um artista que se reapropria positivamente de ícones da identidade popular do país (o futebol, o samba), não mais pela óptica da naturalidade tropical, mas no resgate da seriedade de uma tradição crítica.
"Ele fala de um sentimento que a gente deixa de lado quando fala de Brasil. Um lado mais sombrio, mais Goeldi", diz Dos Anjos, que o convidou a ocupar o vão central da exposição.
NÃO PENETRÁVEL Ao lado dos urubus, no alto das imensas estruturas negras, três caixas de som, feitas de vidro, emitem os acordes de canções populares brasileiras: "Carcará", "Bandeira Branca" e "Boi da Cara Preta". O urubu é, ainda que ironicamente, a ave nacional. É a natureza (embora Ramos insista em se referir ao bicho como uma citação de Goeldi) convertida em identidade cultural.
"Nas minhas obras, cultura e natureza viram um sabão", diz o artista. "A areia que cobre as peças é natureza queimada. A natureza está preta. É um não penetrável. O penetrável é a tradição forte que veio do Hélio. O meu é o avesso. O público não entra. Tem uma coisa de litania, um incômodo, uma coisa de sono, de luto."
Há, porém, mais de uma maneira de ler a obra. A grandiosidade parece mais vocacionada à reconstrução da nação do que à sua desconstrução crítica, trágica ou fúnebre. Mausoléu não é ruína. E urubu é uma ave que "limpa" o terreno da morte. "Acredito na nação. A informação do país é muito forte. É importante você saber que o Pollock ou o Warhol eram americanos. O que a gente precisa é singularizar. O nacional, nesse sentido, é uma arma", diz Ramos.

 ____________________________________________
Xô, urubu!
Não gosto de generalizões, mas eu desaprovo isso de bicho ser tratado como objeto de arte, em condições museológicas, obrigados a enfrentar o stress cotidiano do barulho e da passagem de pessoas, do ruído das outras instalações, das condições de iluminação sempre baixas, sem sol ou chuva, como se fossem um pedaço de pau que vai ser descartado ou que voltarão ao viveiro ou serão mortos depois de exibidos.
Vejo como uma crueldade a prisão das araras e papagaios das sucessivas remontagens e réplicas do ambiente Tropicália, de Hélio Oiticica, porque isso vai contra sua própria idéia de arte como fluxo e, segundo o próprio HO, sua validade só interessa no momento e nas condições do contexto para onde a instalação foi feita. Em um texto de julho de 1966, onde diz que "o museu é o mundo", HO diz que "de nada significa 'expor' tais peças (seria um interesse parcial menor), mas sim a criação de espaços estruturados, livres ao mesmo tempo à participação e invenção criativa do espectador".
Por outro lado, defendo o Habacuc das falsas acusações de maus tratos a um cãozinho em uma de suas exposições, na Costa Rica, porque San José, a capital do país era (ainda é) uma das cidades com mais cãos abandonados nas ruas e o artista pegou um deles para tratar de dia e o deixava solto de noite e as fotos se espalharam rapidamente pela internet como se fosse o cara que tivesse maltratado e matado o cachorro.
Também lembro aqui o trabalho com os passarinhos da Laura Lima, que criou vários pássaros exóticos (não nacionais) de gaiola em um cativeiro grande e depois os levou para a galeria de arte, tapando as janelas, mas deixando um orifício por onde pudessem fugir, caso encontrassem o caminho. Confesso que não sei direito o que eu acho sobre esse trabalho...
E, agora, os urubus do Nuno Ramos, na Bienal 2010, que eu nem sei como eles estão expostos, ainda mais sabendo que os urubus são aves de rapina e de uma autonomia que não combina nada com cativeiro (o que diz o IBAMA sobre isso?). Mas, de pronto, tenho um pé atrás quando se faz arte a partir de um tema - ainda mais quando o tema é arte e política - e a coisa descamba para um lado muito simbólico e metafórico. Normalmente fica chato, moralista e ilustrativo, quando não, panfletário. Em todo caso, seria interessante saber de onde vem essas aves, se elas se adaptam à prisão e onde está a autorização para deixá-las presas e expostas como arte no prédio da Bienal.
Há um tipo de arte denuncista e moralista, tida com "realista", que se vê na posição de dona da consciência humana e, por isso mesmo, se crê no direito de exercer ação educativa no público, jogando lixo na cara das pessoas, fazendo ruído em demasia, queimando plástico, fritando animais vivos, para nós, espectadores, sintamos o mais profundamente quanto o mundo é injusto e cruel. Ou seja, para falar do barulho, berram; da sujeira, emporcalham; da crueldade, oprimem. Fazem arte de baixo repertório e ainda acham que estão desenvolvendo linguagem. Mas, às vezes, até esse tipo de ação deve ser pensado sem generalizações. Cildo Meireles, em uma entrevista de 2002, publicada na Folha de Londrina, disse que por mais que se justificasse seu ato durante o regime ditatorial e a situação tão bem coubesse naquele contexto, ele até hoje sentia o cheiro das galinhas que foram queimadas para a realização do "Tiradentes: totem monumento em homenagem ao preso político", em 1970.
Por fim, vivemos em um mundo onde a exclusão social, a indiferença, os fanatismo e a ganância matam mais do que qualquer obra artística e, no fim, a culpa é do artista que disse que "a queda das torres gêmeas foi um espetáculo de causar inveja a todo artista". Sou contra o uso de animais até em laboratórios, mas penso que não podemos ceder ao acomodamento de uma postura fácil que substituia nossa consciência por um padrão pré estabelecido politicamente correto. Há tanta destruição em nome da tecnologia, do desenvolvimento e do consumo e achamos normal as coisas ficarem por isso mesmo. Em razão disso e refletindo bem, só há uma coisa necessária a dizer diante do fato inexorável de que lugar de animal é solto no meio do mato: xô, urubu!

Um comentário:

celia musilli disse...

E os urubus ficaram..acho que de entediam no ambiente asséptico da Bienal..acho que estranham de montão aquele apê de luxo.rs.Bj