23 de mai. de 2007

Invasão da reitoria da USP



25 anos depois, estudante leva a mãe para a invasão
Pregando o apartidarismo, grupo invasor desdenha das entidades tradicionais de estudantes e dos líderes carismáticosNovo movimento estudantil é bem diferente daquele da invasão da reitoria da USP de 82





Alimentos são distribuídos a estudantes na reitoria da USP, invadida há 20 dias; alunos poderão ser presos caso não deixem o local





LAURA CAPRIGLIONE


DA REPORTAGEM LOCAL





E de repente, de surpresa, um novo movimento estudantil surgiu na Universidade de São Paulo. Ele tem uma cara mulata como não se via nos anos de chumbo da Ditadura Militar. Ele dá as costas às entidades tradicionais de estudantes, como a UNE, a UEE e o DCE-Livre. Ele desdenha de líderes carismáticos (em vez disso, todo mundo manda, e ninguém manda). Ele cultiva a sério o apartidarismo, quebrando o monopólio político de partidos como o PT, PSOL e PSTU, que já foram manda-chuvas no pedaço. E, esquisitíssimo, ele faz questão de cuidar dos jardins com tanto esmero quanto da mobilização.
Esse novo movimento estudantil apareceu há 20 dias, quando 120 alunos dirigiram-se à reitoria da universidade para entregar um documento com reivindicações. Como não encontraram a reitora Suely Vilela, que estava viajando, resolveram invadir o local. E a coisa começou a crescer, sem controle, e sem interlocutores.
Ontem, o carro de som postado bem na frente da invasão tocava a trilha sonora do pessoal. "Eu sou a mosca que pousou na sua sopa" e "Pluct, plact, zuuum, não vai a lugar nenhum", de Raul Seixas, alternavam-se com todas as músicas antigas de Chico Buarque, com especial destaque para "Apesar de você", um hino da resistência democrática nos anos do regime militar. Túnel do tempo?
Quem, há 25 anos, em 1982, quando a reitoria da USP foi invadida pela primeira vez, imaginaria um estudante levando sua mãezinha para ver como os companheiros se comportavam bem na luta? Pois foi isso o que o aluno Luiz, do segundo ano de História, fez: levou a mãe, conflito geracional nenhum, para checar como tudo estava organizado na Reitoria, apesar da invasão. "Ela gostou muito do que viu", garante ele.
Ontem, em visita ao prédio ocupado, os estudantes que ciceroneavam a reportagem da Folha fizeram questão de mostrar os banheiros da reitoria. "Tudo limpinho, você está vendo." Estava mesmo. Os jardins internos do prédio, de tão bem cuidados, mereceram elogios do jardineiro responsável, que foi checar as perdas e danos da invasão. Em vez disso, fez questão de parabenizar quem o estava substituindo tão bem.
O pessoal faz cara de mau quando alguém da "imprensa burguesa" (como muitos consideram, por exemplo, a Folha) pede entrevista. Mas dura pouco. Foi só a comissão de mobilização avisar que mais uma assembléia ia começar e um grupo de estudantes músicos (duas flautas doces, uma clarineta, um violino, um cavaquinho e dois pandeiros) começou a tocar "Se esta rua, se esta rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar". Foi a senha. Cinco grandes rodas concêntricas, formadas por adolescentes de mãos dadas, começaram a dançar. Então vieram um Caetano velho, ainda bucólico, "Asa Branca", de Luís Gonzaga, e o hit "Apesar de Você", sempre ele. Aquecida pela coreografia, a assembléia se iniciou.
Há muitos negros na invasão, como não se via na de 25 anos atrás. Se antes ingressavam na universidade 4.000 novos alunos por ano, hoje são 10.000. Cabelões black de todas as formas, os universitários do grupo "OcupAção Afirmativa", refletem a abertura pela qual passou a USP. Mas eles querem mais.O ultra politicamente correto domina a cena. No amplo saguão que antecede a sala do Conselho Universitário, onde estão distribuídos os colchões em que os invasores dormem, tudo é de todos. Alba explica a norma: "Chegou, encontrou o colchão vazio, qualquer um, então pode se deitar.
"Bebidas alcoólicas e drogas não entram no prédio. Quem quiser, que consuma fora. Cigarros só em locais abertos, como o saguão da reitoria, ao lado do busto de Nicolau Copérnico, em que foi afixado o cartaz: "Também apóio a ocupação".Todos comem a mesma comida, feita por uma outra comissão, a de alimentação. Ontem, o cardápio do almoço era arroz branco, batata cozida e lingüiça frita. Acompanhava um minicopinho (desses de café) de suco de caju. Ninguém reclamava.
Lá fora, a USP, naquele que é o seu centro geográfico de poder, o conjunto da reitoria, parece o centro comunitário de um pedaço da periferia: o prédio da reitoria em obras, o matagal crescendo nos canteiros do vizinho Conjunto Residencial da USP (onde moram alunos carentes), as lonas improvisadas, proteção para a chuva, como em um acampamento de sem-teto, os pneus empilhados à guisa de barricada, as muitas pixações ("Ocupe a Reitoria que Existe em Você" é uma delas). Uns tantos bêbados em volta. Um pequeno comércio de camelôs vendendo doces e camisetas.
Os estudantes em tempos de democracia não gostam de mostrar seus rostos nem de declinar seus nomes. Identificam-se por um prenome, às vezes confessando, antes que se pergunte, que é falso. Temem punições administrativas.
Há 25 anos, a Ditadura ainda existia no país -era o governo do general João Baptista Figueiredo (1918-1999)-, mas a confiança do movimento estudantil era tamanha, que todos queriam aparecer. Um grupo de alunos do Instituto de Física, então uma das escolas mais ativas da USP, fez questão de "tomar posse" da sala do Conselho Universitário, batizando-a de "Espaço Marcelão", em homenagem a um colega que até pelo tamanho não conseguia se manter incógnito.
Nesses dias de invasão, uma parte da turma de 25 anos atrás fez questão de ir ver como os meninos de hoje estão levando a coisa. Julio Cesar, ex-aluno do curso de Ciências Sociais e atualmente na Faculdade de Educação, ontem, ajudava o pessoal da comissão de alimentação. Outros levavam doações de mantimentos.
Fonte: Folha de São Paulo - Caderno Cotidiano
São Paulo, quarta-feira, 23 de maio de 2007

3 comentários:

Anônimo disse...

http://ponteaereasp.nominimo.com.br/?p=525

Anônimo disse...

hehehe..e não que neste País de vez em quando pinta uma novidade.. rs Um beijão.

Rubens Pileggi Sá disse...

célia, querida.