Arte com Justiça social e ambiental
Por Rubens Pileggi
Segundo o artista alemão Joseph Beyus, que foi um inspirador para a criação do Partido Verde Alemão, “toda pessoa é artista”. Ele não quis dizer, com isso, que todo mundo tem talento para se tornar pintor, escultor ou desenhista, mas que todos são uma forma especial de artista naquilo que faz, se relacionarmos nosso fazer com o contexto onde esse fazer se aplica, com consciência política e ideológica clara no sentido de unir as preocupações sociais e ecológicas na ação de cada um.
Quando Beyus afirma que La rivoluzione siamo noi, fica muito claro que a questão é a de sairmos de uma cultura de economia e entrar em uma economia de cultura, de fluxos e relações de processos, não mais obreira, não mais de progresso industrial ou tecnológico, não mais do lucro e da exploração da mais-valia, mas da divisão, da solidariedade, das trocas justas, claras e transparentes.
Essa idéia de progresso aliada ao consumo, como se isso fizesse parte dos direitos democráticos e nossa liberdade dependesse desse tipo de um fluxo de pessoas, informações e mercadorias correndo pelo planeta, têm jogado para baixo do tapete uma discussão muito maior e nos coloca em cheque quanto não só em relação à distribuição da riqueza que o progresso produz, mas sobre o que fazer a respeito da natureza que vem se exaurindo, na medida em que será impossível dar a todos os 6 ou 7 bilhões de habitantes do planeta, água encanada, luz, asfalto, energia elétrica, computadores, ou – como pregam os apologistas da tecnologia, principalmente através dos meios de comunicação – o acesso a cirurgias plásticas e outras, como as feitas com células-tronco, e outras mais, que a ciência vem desenvolvendo.
É importante que a gente entenda que a ciência não se pensa. Que ela é funcional para servir a sociedade e que depende de recursos caríssimos para o desenvolvimento de pesquisas. E hoje, quem patrocina essas pesquisas é o mercado – regido por suas leis perversas – ou o Estado capitalista, que, em resumo, defende os interesses da propriedade privada.
Nesse sentido, os intelectuais e artistas podem contribuir, através do campo da Cultura, desconstruindo a lógica racional do desenvolvimento linear e controlado da sociedade, porque entendem que o controle da significação é o controle sobre o uso da mercadoria. Usar uma calça de marca x ou y, por exemplo, aparenta, para um determinado grupo, uma relação de poderio, de força, seja essa associada à juventude, à virilidade, ou mesmo, no caso de nossa sociedade capitalista, ao poder econômico enquanto poder absoluto. No fundo, como desvendou Marx, o valor da mercadoria é o seu fetiche.
Mas o que é a cultura? Cultura é tudo o que não é "natureza", tudo o que se artificializa através do humano, inclusive o olhar. O que os agentes culturais podem fazer é criar meios de enfrentamento à banalização consumista inventada como necessidade social.
Sobre esse tipo de limite, aliás, é importante ter em mente que a ideologia do progresso tecnológico não possui nenhum senso de tempo além da imediaticidade das leis de oferta e procura. Ela "naturaliza" o empobrecimento da informação e da comunicação como agentes transformadores, colocando-se como voz única no discurso das heterogeneidades. Estabelecer relações entre texto e imagem nesse território é também criar limites ao discurso hegemônico da mercadoria como fetiche consumista. É opor-se a ele de maneira a ressignificá-lo. Ou seja, desconstruir o modelo que considera natural que o determinismo obrigue uma pessoa a ter um emprego de apertador de parafusos como se isso fosse uma dádiva dos céus. Muitas vezes esse parafuso apertado será para ajustar uma bomba que irá matar os próprios irmãos. Será a construção de instrumentos de tortura de escravos, para escravos.
Em um país como o Brasil, não é mais possível pensar politicamente sem levar em consideração a nossa questão de identidade e nossa idéia de pátria, como exemplo para o mundo. Não há mais como falar em ambientalismo sem tocar na questão da justiça social. E não dá mais para ser de esquerda sem lutar pela causa do movimento em defesa do ambiente.
Em âmbito federal, sem Reforma Agrária e Urbana e sem a Legalização das drogas, estamos condenados ao neoliberalismo mais deslavado de ações pontuais cujo interesse é o de dar uma capa de verniz à miséria, à ignorância e à violência que grassa o país há tempos.
Recentemente fui à Amazônia e lá as pessoas me perguntavam se o Rio de Janeiro era, de fato, como mostrava a TV, ou seja, violento. Eu respondia que a percepção que eles tinham do Rio não estava totalmente errada, assim como as pessoas do Rio vêem as notícias sobre a Amazônia sempre falando de queimadas, toreiros, garimpo, devastação. E elas também não estão totalmente erradas. Mas o que é preciso entender é que a devastação da Amazônia está em relação direta com a violência do Rio de Janeiro (e São Paulo, Belo Horizonte, Manaus, etc.). E que a idéia de progresso se ajustou à idéia de emprego e todo mundo está se matando por um serviço qualquer, mecanicamente realizado, sem preocupação nenhuma com as próximas gerações.
Precisamos entender que o Brasil ainda é muito rico em terras agricultáveis e em recursos naturais, mas que isso está ficando cada vez mais nas mãos de menos pessoas e de empresas de capital transnacional e os recursos naturais – como a água potável – não são recursos infinitos. Estamos mergulhados em uma concentração de riquezas que é das mais injustas do planeta. 5 mil famílias são donas do patrimônio de 45% da riqueza nacional.
O país, que tinha 50 milhões de habitantes, em 1950 – sendo que 70% da população viviam no campo – hoje tem mais de 190 milhões de habitantes e 90% da população vive nas cidades.
Dos 48 milhões de terras agricultáveis, 40 milhões estão sendo plantados com soja. Esta soja serve, em sua grandíssima maior parte, para exportação. E ela se torna ração para animais que serão abatidos para alimentação na Ásia e na Europa, principalmente.
É preciso pensar urgentemente em formas de diversificar a produção de alimentos no Brasil e na América Latina. Escapar da noção neocolonialista de impor aos países dependentes o emprego de mão-de-obra barata, extrativismo e monocultura. Quer dizer, nossa independência deverá ser através do desenvolvimento da pluricultura orgânica, não só na questão agrícola, mas nas consciências que estão poluídas com o agrotóxico da estreiteza de visão e do preconceito contra o que é nativo, contra o que é nosso, contra o que inventamos, seja por necessidade, seja por puro luxo e deleite.
E aqui entra a parte, também, de nossa pungente natureza, da nossa fartura. Da imensa cordialidade de nossa gente e da extrema fertilidade do nosso solo, em uma imensa área de uma das regiões mais belas do planeta. Isso quer dizer: das possibilidades de tornar o turismo como uma das pontes de geração de recursos e distribuição de riquezas com justiça.
Justiça com equilíbrio e uso de energias sem desperdício, como nos fala o Hexagrama 26, do I-Ching, que assim define a graciosidade e a beleza. Beleza que nos faz a todos amar a vida. Vida que é composta da relação entre cultura e natureza. Que se torna intensa nas palavras do poeta, nas ações do artista. Cada um de nós somos artistas. La rivoluzione siamo noi. A causa ambiental e a causa social fazem parte de uma única e solidária luta. Cabe-nos lutar!
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