Ponto de Fuga
Serviço sujo
Não adianta vir com história de que essa Bienal causa "polêmica"; não pode haver "polêmica" com alguma coisa que se situa entre o simplório e o safado
JORGE COLI - COLUNISTA DA FOLHA DE SAO PAULO
O título deste "Ponto de fuga" está na coluna de Barbara Gancia, na Folha, dia 31 passado. Um artigo que lavou a alma. Enfim, alguém berrou: "O rei está nu". Ou melhor: a Bienal de São Paulo está vazia. Vazia. Sem floreios ou firulas: vazia, irremediavelmente vazia, pateticamente vazia. Vazia de obras, de idéias, de vergonha. Não é gesto artístico: Yves Klein [1928-62] pintou de branco a galeria Iris Klert, em Paris, e expôs o vazio, provocando filas de gente querendo entrar para ver o que não havia. Isso em 1958. Cinqüenta anos depois, está lá, no pavilhão do Ibirapuera, o cavo, o inane, o chocho. Não adianta vir com história de que essa Bienal causa "polêmica", palavra hedionda porque reduz argumentos e debates a um espetáculo de circo. Não pode haver "polêmica" com alguma coisa que se situa entre o simplório e o safado. Não é admissível contemporizar, dizendo que a arquitetura do Niemeyer ficou visível, patati e patatá. Nem que houve seminários, conferências e quejandos: a Bienal de São Paulo não é academia ou universidade. Existe para mostrar arte recente. Nem que ela "questiona" a produção de hoje ou a natureza das próprias bienais. Questiona nada, porque é um nada. O que ela traz, sem querer, não é artístico ou estético, é ético. Aracy Amaral, com sua serenidade de sábia, tocou num nervo exposto, declarando à Folha: "Existe uma produção nacional muito vigorosa que não está aqui e poderia". Basta comparar a atual Bienal de São Paulo com as últimas edições da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre. Lá, as mostras, nacionais e internacionais, são vivas, agudas, brilhantes.
Parquinho
No segundo andar da Bienal não há nada. Literalmente. No primeiro, algumas obras minguadas. Entre elas, um escorregador, de Carsten Höller. Escorregador mesmo. Na Tate Modern, de Londres, há dois anos, eram cinco. Aqui é um só, perdido no desânimo. Se é para perturbar a seriedade sagrada dos lugares reservados às artes, uma sugestão: instalar a próxima bienal no Playcenter. Tanya Barson, da Tate Modern (Londres), que lamentou, na Folha, ter voado 14 horas para ver a Bienal do Vazio, poderia ao menos se divertir na montanha-russa, no chapéu mexicano. CharabiáComo muitas pessoas são fascinadas por aquilo que não conseguem entender, a crítica e a teoria das artes abusam. Jonathan Shaughnessy sobre Carsten Höller: "Esses objetos tentam ao mesmo tempo embrulhar e revelar os sentidos a fim de que inibam a subjetividade e o sentimento de si ao invés de favorecê-los". Tradução possível: depois de escorregar no tobogã a gente fica tonto.
Coronéis
Um problema de certas instituições brasileiras voltadas para a arte e para a cultura é que se acham nas mãos de ricaços. Nos EUA, contribuições vão para o MoMA ou a Metropolitan Opera. Uma direção especializada decide o destino das verbas. Aqui, quem tem dinheiro mete o bedelho. Os resultados são desastrosos. Sem contar a freqüência com que dinheirama e falcatrua se tornam sócias. Ilustração evidente, o caso de Edemar Cid Ferreira. Chegou a ser mais poderoso do que o ministro da Cultura no Brasil e acabou na cadeia. Tristes fraquezas pressupostas naquele latim: "Sic transit gloria mundi", ou seja, uma hora por cima, outra hora por baixo. Edemar Cid Ferreira vivia circundado por uma corte de intelectuais que se agitava ao seu serviço. Que se escafedeu ao sentir o cheiro de queimado.
10 de nov. de 2008
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2 comentários:
Acabo de voltar de São Paulo e fiquei pasma com a pachorra de nos apresentarem "aquela" Bienal. Ridícula! Concordo plenamente quando diz que não há polêmica alguma. Aliás, prefiro acreditar que esta arte não entende o povo do que acusar o povo de não entender a arte.
Tirei uma foto na rampa do prédio da bienal subindo pelo segundo andar. A questão desta foto no andar vazio, foi o tapete voador que estava no terceiro andar. Como a coisa era tupiniquim, porque não usar uma pseudo-arte como plano de fundo? Mas fazer o que? Vazio serve pra isso. Para não atrapalhar.
Voltando para casa, lembrei-me, depois que subi no ônibus, daquele conto do alfaiate que faz a roupa para o rei de um tecido onde apenas as pessoas inteligentes eram capazes de ver. Assim como a bienal não tem nada. O rei também estava nu. Mas não vi ninguém contemplando o vazio, bancando o idiota.
A bienal 2008 mostra a falácia da arte contemporânea no Brasil. Até porque ultimamente as dondocas do Morumbi estão preferindo passear na Daslu (já que a passagem p/ NY tá cara pakas) e jogar algumas etiquetas na bunda dar umas remarcadas no peitão de silicone. A arte no Brasil está abandonada.
Realmente o escorregador de inox foi a sensação da Bienal de 2008. E o desfile de bombeiros estava meio performático...
Parei para pensar na parte onde deixamos as bolsas. Se colocassem algo dizendo que aquilo foi um artista quem fez, seria a maior obra de arte da bienal. E com mais participantes do que os escorregadores.
Mas pensando na comparação com as bienais anteriores, você enxerga que tudo é uma grande ilusão que se encerra no nome. Imagina você colocar uma bienal de livro com uma editora só: Pronto. Você tem a dimensão da grandiosidade da Bienal de Arte de São Paulo 2008. Só em pensar que, em 2004, eu já achava ridículo ter telas feitas em ploter e "body art" de um cara fazendo circuncisão... Não tem outra constatação: A coisa degringolou mesmo. A feirinha rippie da praça da república tem mais história para contar do que a bienal 2008.
Na falta de coisa para expor, dever-se-ia convidar artistas nacionais. Tem muita gente boa por aí só aguardando uma janela se abrir pra entrar de cabeça. Acho que a "bienal do vazio" é o mais puro reflexo do que os figurões pensam em coloborar para o nosso país. Ou seja: Se há uma chave para entrar no nada, haverá uma solução vazia para fazer as coisas em/pôr nosso país. E para se enrolar colaborando com nada sempre se faz necessário um monte de burocracia. Eis o porquê da "pseudo-transgressão" de entrar num horário "off". A coisa fica como você tem na mão uma chave da casa de um ex-namorado que você não tem interesse nem de dar "oi".
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