23 de jul. de 2011

O Infinito Labirinto ou a Balada Alienada


Carlos Zago 
            
Um ex-agente no Cáucaso me contou
um estória sobre umas flores que
ele roubou de um traficante de ópio
na Birmânia e me deu quatro pétalas pra
mascar dizendo que eu nunca mais
ia voltar do país dos sonhos

pensei que ele estava tristonho
quando disse-me sorrindo
que sua hora estava chegando
e que por isso ele iria partindo
em dois as mentes que pelo
caminho fosse encontrando

agradeci sem mais delongas
e ascendo para algum canto
que não sei bem se era um quarto
ou um antro
masquei três pétalas estranhas
daquela flor das montanhas que
supus ser papoula da Birmânia
apesar de nunca ter visto antes
as pétalas de papoula

agora já faz tempo eu sei que
descobri que não se tratava
do rubi oriental era uma outra
flor instrumental
que só conhecem alguns monges
do Nepal que a bebem em
um magnífico ritual onde os
iniciados buscam
entrar em um transe
transcendental
do qual nunca mais voltam
ao normal

nada disso eu sabia naquele
instante em que comia
que muitas eras depois eu
descobriria de onde foi que
minha alma descendia e por
quais caminhos meu carma
me levaria para alcançar
essa estranha sobrenatural
sabedoria

tirei os sapatos fumei um
cigarro e apaguei a luz
e mal deitei na cama,
desapareceu o quarto
e me vi deitado sobre o cume
de uma montanha
mil vezes mais alta que a
mais alta das montanhas do
Himalaia cercada por um
oceano mais vasto que qualquer
um já visto ou imaginado pela
mente humana
quis levantar e dar um grito
mas só consegui dar um
suspiro estava eu deitado
sobre o infinito? não sei

alguns segundos se passaram
ou foram os milênios que cantaram
enquanto abri e fechei os olhos
de uma lágrima que chorei
vi surgir um ser que jamais imaginei
em minha vida até então ser capaz
de conceber não há palavras para
dizer não há como descrever
era um Avatar a plena Luz do Ser
e tive medo e alegria sobre aquilo
que eu poderia chamar de sua cabeça
milhares de estrelas dançavam
em um céu que ao mesmo tempo
que se criava se desfazia

fechei de novo os olhos e
me tornei um com aquele ser
e ouvi então ressoar pot todo ar
e além do vácuo uma canção
muito muito delicada
como fosse cantada por todas
as vozes das crianças
de todas as épocas e lugares
da eternidade, era um canção
reveladora só uma sílaba
motriz e geradora
multiplicando-se livre
em infinitos tons e vibrações
nela pude ouvir a síntese viva
de cada um dos sons da criação
OM
em um mesmo instante que também
já era outro me vi deixando a idéia
de que eu tinha ainda corpo ou que fosse
sequer uma pessoa foi quando como
um sino que soa atravessei todos
os templos erigidos por todos os seres
que os erigiram e percebi que cada um desses
seres era um próprio templo em si
e perguntei ao tempo ao espaço e a matéria:
---- O que é o tempo o espaço e a matéria?


 imediatamente a resposta se formou
você, a montanha e o oceano
cada um dos grãos de areia da montanha
é outra montanha e cada uma das gotículas
do oceano é um outro oceano a montanha
e o oceano bailam, nesse bailado o oceano
em seu movimento vai decompondo a montanha
que é imóvel e que vai aderindo
ao oceano, chegará um momento em que toda
a montanha irá se dissolver acabando assim
com o movimento do oceano e com sua
própria imobilidade

nesse exato momento
começará
O Tempo
a partir daí o que haverá entre cada grão de
areia da montanha dissolvida a cada gotícula
do oceano será chamado de Espaço e Matéria
será todo o possível movimento realizado no
tempo por esse espaço imóvel

gargalhei imediatamente e de dentro de minha
boca surgiram duas flores uma azul mas de um
azul que era também tátil, gustativo e olfativo e
outra branca de um branco com todas as propriedades
da azul, a Flor branca disse para a azul por uma
boca que parecia a minha " Oceano " enquanto a
Flor azul dizia para a branca " Montanha" depois
disso a luz do quarto se acendeu e eu estava
novamente sobre a cama
Olhei entorno preocupado eu havia dormido
eu havia sonhado? Quem havia acendido
a luz do quarto? Na parede um grande quadro nele
pintado um quarto onde no lugar onde estaria
a minha cama
havia um vaso com duas flores não vou lhes
dizer as cores, mas para o horror dos horrores
na parede do quarto do quadro haviam outro
quadro de um quarto onde no lugar onde
estaria a minha cama havia um vaso
com duas flores não vou lhes dizer as cores,
mas para o horror dos horrores descobri
que não era um quadro era um espelho
que refletia as flores que eu havia me tornado
OM


Carlos Zago  (1976-2003)


e aqui o texto que escrevi sobre o Carlão, em 2003
http://www.canalcontemporaneo.art.br/arteemcirculacao/archives/000094.html