18 de out. de 2007

antropofagia às avessas

E olha q eu me acho malandro....

Quando os franceses foram assassinados pelo próprio cara que eles tiraram da rua, eu logo saquei que era uma antropofagia invertida aquilo. Não um canibalismo. Mas uma antropofagia invertida, mesmo. Um ritual macabro em que o filho mata o pai para poder sair com o carro do velho, à noite: valores mal assimilados.

Não se trata mais da questão freudiana: o cara que come os filhos. Ou os filhos que matam o pai, como no mito Zeus e Cronos, fundando uma nova civilização. Está mais para uma situação de comer a galinha os ovos de ouro. Tristeza famélica.

Ontem a primeira notícia que eu li foi que o padre Lancelotti – que abandonou tudo para ficar com os mendigos, os sem tetos, os moradores de rua no centro de são paulo – que é um tipo odiado por Alckmin e policiais que querem bater, quebrar, matar os miseráveis e o padre os defende, bem, que o padre foi à polícia acusar um casal que o extorquia há mais de três anos, fazendo-o pagar pela prestação de uma Pajero (ou outro carrão desses), com a ameaça de que iriam denunciar o padre por pedofilia contra a própria filhinha. Gente que o padre ajudou e agora o estão fodendo.

O padre gravou as conversas de extorsão, entregou o material para a polícia e agora estão atrás dos malandros. Perguntado porque se deixou chantagear, o padre, que mora com a irmã e com a mãe – de favor – disse que queria mudá-los e que não teve coragem de pedir ajuda a quem ele certamente não confia.

É aqui que eu entro...

Tem uma menina de uns 10 anos em Santa Teresa que vende chicletes. Desde o primeiro dia que estou aqui no Rio eu dou – de vez em quando - uma graninha pra ela me trazer balas de hortelã. Sei que ela nunca vai fazer isso, mas a gente foi se tornando amiguinhos e quando ela me vê já vem me abraçando e depois dizendo que falta dois reais para comprar o gás que acabou em casa, essas coisas. Pra dizer a verdade eu já tinha me cansado de ficar dando grana pra ela, mas nunca impedi que ela chegasse para as pessoas que estão comigo e fizesse negócio com eles. Quem quiser ajudar que ajude.

Ontem eu estava no bar e ela chegou dizendo que houve tiroteio onde ela mora e que crianças foram assassinadas. Sei lá porque eu fui explicar para ela como é que funciona a coisa da mercadoria ilegal, como que o tráfico ganha dinheiro vendendo drogas e peguei os chicletes dela em minha mão para demonstrar isso. Depois devolvi-os na caixinha.

Imediatamente ele começou a contá-los e me disse que faltavam dois chicletes. Eu logo me chateei. Disse a ela que poderia me revistar, mas se não achasse os chicletes não éramos mais amigos.

- “Mostra os bolsos”, ela pediu. Mostrei todos os meus bolsos e sai de dentro do bar para ir embora dali. Estava chateado com a situação: como é que ela podia duvidar que eu iria roubar dela algo? Dois chicletes? Eu nem chicletes chupo!

Ela correu pegar o irmãozinho maior dela e ele disse para mim que a menina estava chorando. Que tinha sumido dois chicletes dela. Eu disse que não tinha nada com isso, que eu não precisava roubar chicletes e sai dali, já puto com a situação.

Mas nos encontramos no meio do caminho, entre um bar e outro, na direção de casa e eu fiquei pensando que era melhor pagar pelo crime que eu não cometi e calar a boca da vigaristinha e seus irmãozinhos e me livrar logo da tal história, do que dar o que falar.

Comecei a contar algumas moedas no bolso e resolvi dar dois reais pelos dois chicletes que ela vende a 50 centavos na rua. Claro, antes, perguntei quanto eram os chicletes. 2 reais cada um, ela disse...

Eu não paguei, xinguei, dei esporro, fiquei irado, mas ainda contemporizei a situação dizendo que eles eram apenas crianças, que eles não tinham culpa de ser do jeito que são.

Eles são em quatro irmãos e a mãe espera mais um. Ficam de madrugada vendendo aquela porcaria na rua. A mãe de um lado. E, às vezes, o pai de outro. E às vezes tem até mais pais na parada. Porque mãe é uma, mas tem pai para cada um dos filhos da escadinha. Esperando pelo dinheiro explorado das crianças.

Também são vítimas, mas eu fiquei com medo até de, numa dessas, entrar numas de gaiato e ser acusado de pedofilia. Uma coisa que a gente entra de ingênuo, achando que pode ajudar e acaba se fodendo... Antropofagia às avessas...

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