1 de abr. de 2006

Latifúndio reclama fundos



SLOGAN:
A agricultura está morta. O latifúndio e a monocultura mataram a terra.
Ou, quando o filho mata a mãe e põe a culpa no pai.



1 – Um amigo aqui de Londrina, professor Marcos Barnabé, 2 anos atrás, convidou-me para assistir os clássicos do western, junto a seus alunos de arquitetura. Sua intenção era mostrar “como é que se fazia cinema” para a garotada, que “a direção é a alma de um filme” e, de quebra, em como o “spaguetti” italiano se apropria da linguagem dos filmes de farwest dos eua, misturano-os à linguagem de Glauber Rocha, para criar filmes populares de bang-bang.
E lá fui eu, em nome da amizade e, principalmente da curiosidade, assistir John Wayne em ação, dirigido pelo “genial” John Ford. O primeiro filme foi “O homem que matou o facínora” (The Man Who Shot Liberty Vance), de 1962. E é sobre esse filme que eu quero começar a traçar algum paralelo com a situação fundiária no Brasil.

2 – O filme em questão conta a história de um advogado recém-formado (James Stwart), que veio à cidade, querendo trazer civilidade ao lugar.
Defendendo interesses dos latifundiários, que atrasavam o progresso do lugar e zombavam da lei, o malvado capataz Liberty Vance (Lee Marvin) logo põe a vida do mocinho em risco, até que, depois de várias ameaças, o advogado aceita o desafio para um duelo na rua e o facínora, seu oponente, tomba, morto à bala.
O fato é narrado ao espectador pelo advogado que acaba se tornando senador e volta para a cidade, anos depois, para o enterro do vaqueiro Tom Doniphon (John Wayne). O fator surpresa do filme é saber que o disparo não saiu da arma do advogado, mas do “destemido vaqueiro”, que, mesmo perdendo a mocinha para o advogado bonitão (mas péssimo atirador), salva a vida do homem que representa a justiça.

3 – Mas não é comentar cinema o que interessa, aqui. Mas refletir em como a ideologia hollywoodiana foi vendida como “cultura americana” e de como ela pode sustentar seu poder, ao pregar os princípios da justiça, da ordem e da liberdade democrática como uma grande conquista para a humanidade.
Quem conhece um pouco da história do cinema, sabe que os produtores cinematográficos fugiram de New York para Hollywood para não se submeterem às leis que protegiam o trust e, porque os custos de produção eram menores no interior do que na capital.
E filmaram o “velho oeste” porque era o cenário que tinham para filmar. E faziam filmes contra os latifundiários porque era o assunto mais em evidência no lugar. Os pecuaristas viam com péssimos olhos aquela indústria de cultura e entretenimento, que ameaçava a estrutura social do lugar e seu domínio pelas terras, garantidas debaixo do derramamento de muito sangue indígena e carcaças de búfalos. Foi em cima desse ponto, a meu ver, que o cinema se tornou o grande porta-voz da imagem que temos dos E.U.A., até hoje.

4 – A Reforma Agrária nos EUA foi realizada em 1862, enquanto no Brasil o problema fundiário é o X da questão social. Em 1950 havia 50 milhões de pessoas morando no país. 70% lavradores. Hoje somos 170, 180 milhões e 90% da população vive nas cidades. Além disso, nosso país só perde para o Paraguai, em termos de concentração de terras nas mãos de menos gente, comparativamente. Mas a maioria das terras paraguaias pertence a... brasileiros. E isso não é filme de cinema americano!

5 – Foi manchete de capa do jornal Folha de Londrina, de sexta-feira, dia 31 de março de 2006, a notícia que dava conta que em Bela Vista do Paraíso – pequeno município situado ao norte do Estado do Paraná – houve um protesto de agricultores que interditaram um trecho de rodovia e passaram pela avenida da cidade, fazendo o comércio abaixar suas portas.
O motivo do protesto é que milhares de agricultores fizeram empréstimos no Banco do Brasil e agora não podem pagar. E o governo ameaça tomar judicialmente suas terras e maquinários. Afirmam que as colheitas das últimas safras ficaram aquém das expectativas, por conta da estiagem que vêm atacando a região há anos. Além da queda do preço do dólar, que fez o preço do saco de soja cair.
Por tudo isso, se declaram em luto, acusando o governo de não apoiá-los, em um momento difícil como esse que estão passando.

6 – A terra por onde passaram os plantadores de soja, soltando rojões, com seus carros, caminhonetes e colheitadeiras, é a mesma terra onde já não há mais vestígios dos índios que habitavam o lugar, nem da flora, nem da fauna, devastadas. Não foi preservada, sequer, a mata ciliar. Já não há mais rios potáveis, nem peixes vivos. O agrotóxico destrói tudo à sua volta. E a terra, de tanta rotatividade, torna-se cada vez mais fina, mais poeirenta. O sol aquece o solo desnudo, que reflete o calor. A temperatura aumenta, o clima se desarmoniza. As estações perdem a definição: faz frio no verão, calor no inverno, seca na primavera.

7 – Antes da soja – cujo comércio é voltado quase que integramente às exportações – havia o café. Também era monocultura. Por pior que fosse, gerava alguma renda que era revertida para a cidade. E a propriedade das terras estava menos concentrada. Mas a cultura da soja prescinde do homem. Uma máquina e um tratorista para centenas de alqueires (aqui não se fala em hectares. Cada alqueire chega a custar 120 mil reais). O resultado disso é o inchaço e a violência na cidade grande. E o fim das cidades pequenas. Cidades Mortas!

8 – Generalizar é sempre perigoso. Mas o fato é que novos ricos que recebem dinheiro fácil gostam de se mostrar, gastando dinheiro das formas mais imbecis. Caipiras que de repente saiam do Banco do Brasil – no mesmo local onde fazem agora seus protestos contra a falta de ajuda do governo – cheios de crédito para investir na lavoura. Mas torravam o dinheiro fechando bordéis, comprando caminhonetes do ano, colares e pulseiras de ouro, em um arremedo de “Sinhozinho Malta”, personagem de Lima Duarte, na novela Roque Santeiro e tudo o mais que a ignorância pretensiosa, que os transformavam, também, em seres arrogantes, podia lhes dar.

9 – O presidente da república já se manifestou que está aberto ao diálogo com esses produtores. Afinal, não fazemos a Reforma Agrária, mas é preciso manter o comércio externo azeitado. Uma das dez economias do mundo não pode parar para pensar em seus cidadãos menos favorecidos – nosso IDH (índice de desenvolvimento humano) é vergonhoso – que nunca receberam um centavo do poder público. Mas do imposto gerado por esse comércio, não há como abrir mão. Todos sabem que manter o paternalismo é uma boa estratégia para garantir a reeleição.

10 – A agricultura está de luto. Algo está morto e é preciso deixar que agora apodreça, para que a terra volte a ter micro organismos que a torne viva, novamente. Não tenho intenção, com este texto, de me tornar candidato a nada. Isso também não é um discurso. Ou é. Ou sou candidato, não importa. Mas para que algo seja exato e esteja de acordo com a realidade dos fatos, sugiro não se pronunciar mais a palavra agricultor para se referir a essas pessoas que protestam contra o governo, quando, em nenhum momento pensaram na sobrevivência das próximas gerações. De seus próprios filhos e netos. Suponho chamá-los sojicultores, ou, quando muito, monoculturistas, já que é esse tipo de ação que empregam em seu trabalho. Agricultor seria aquele que cultiva a terra, com vistas a torná-la fértil. E a única agricultura que esses sojicultores praticam é a agricultura esgotante, aquela que – segundo o dicionário Houaiss – “esteriliza ou depaupera” o solo.
Por fim, já que a questão se voltou para o léxico das palavras, gostaria de mencionar que Americano são todos os que vivem na América, que vai do Alaska até o pólo sul. E que nem de Americanos do Norte os habitantes dos Estados Unidos da América podem ser chamados, já que o Canadá também pertence à América do Norte.
Ao apontar o governo por um crime que eles mesmos cometeram, os monoculturistas da região norte do Estado do Paraná parecem querer esconder a mão coberta do sangue vermelho, seco, sujo e endurecido da Mãe Terra que eles próprios mataram.
No cinema ainda sobravam mocinhos para contar a história no final, aqui, nem isso...

Um comentário:

Somos a Associação de Cultura, Comunicação Popular e Cineclube Araguaia disse...

É isso ae Rubens,
sempre aterrorizando alguns com suas palavras...
Abração
Rita